O presente estudo investiga o papel da literatura testemunhal na preservação da memória coletiva e na elaboração simbólica do trauma decorrente das violações de direitos humanos durante a ditadura militar brasileira. Toma-se como corpus o romance K. Relato de uma busca (2016), de Bernardo Kucinski, obra que ficcionaliza a experiência do desaparecimento forçado da irmã do autor e tensiona os limites entre ficção e testemunho no tratamento da dor, da ausência e do luto. Parte-se do pressuposto de que a literatura, ao fazer ecoar as vozes silenciadas pelo regime, cumpre uma função ética e política, configurando-se como um espaço de contramemória e de reparação simbólica. O objetivo geral é compreender como as estratégias narrativas de Kucinski, como a fragmentação, a polifonia e a descontinuidade temporal, atuam na representação da memória dos desaparecidos políticos e do trauma vivenciado pelos familiares. Como objetivos específicos, propõe-se: (1) analisar de que modo a estrutura narrativa do romance tensiona os limites entre realidade e ficção, configurando uma escrita do trauma; (2) discutir a relação entre literatura, história e subjetividade na construção da memória pós-ditatorial; e (3) investigar de que forma a narrativa literária pode funcionar como instrumento de denúncia e resistência simbólica diante do apagamento histórico promovido pelo Estado. A pesquisa adota uma abordagem qualitativa, de caráter interpretativo e analítico, fundamentada nos estudos sobre memória, trauma e testemunho. A base teórica articula autores como Maurice Halbwachs (memória coletiva), Michael Pollak (identidade e silêncio), Joël Candau (memória e identidade) e Márcio Seligmann-Silva e Jeanne Marie Gagnebin (literatura e trauma). O diálogo com esses teóricos sustenta a leitura crítica do romance, permitindo compreender como a ficção literária elabora e tensiona as fronteiras entre lembrança, esquecimento e representação. Busca-se, ao aprofundar a análise, compreender a dimensão ética e política da literatura de testemunho, examinando de que maneira a escrita literária pode atuar como um eco das vozes silenciadas e como gesto de reparação simbólica diante das ausências impostas pela violência de Estado. Assim, este estudo pretende contribuir para o debate acerca dos modos pelos quais a ficção contemporânea reinscreve o passado traumático na memória coletiva brasileira, não para encerrá-lo, mas para mantê-lo vivo como campo de reflexão e resistência.