Estudos etnobotânicos realizados em quintais vem oferecendo subsídios para a preservação de recursos genéticos e culturais, visto que a manutenção desses espaços é efetuada a partir do conhecimento e da prática tradicional dos mantenedores. Diante disso, objetivou-se investigar os saberes e práticas sobre o uso das espécies vegetais, presentes em quintais rurais de comunidades situadas no interior do município de Amarante/Piauí, assim como as estórias conhecidas e contadas pelos moradores da localidade. As comunidades rurais estudadas foram Buritirana e Recanto, situadas a 5km e 10km, respectivamente, da sede municipal. A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), segundo o nº do Parecer 1.837.197, onde 100% dos atores foram entrevistados. A coleta dos dados foi realizada por meio de fotos, vídeos, áudios e das técnicas de “rapport”, observação participante, entrevistas semiestruturadas e turnê-guiada com os mantenedores dos quintais que apresentaram idade igual ou superior a 18 anos. Os materiais botânicos coletados, sob autorização dos mantenedores, seguiram o recomendado pela metodologia usual, sendo o voucher depositado no acervo do Herbário Graziela Barroso (TEPB) da UFPI. Os dados obtidos foram, inicialmente, inseridos em planilhas eletrônicas (Excel) e analisados qualitativamente, por meio de inferências percentuais descritivas, e quantitativamente pelos índices de Shannon-Wierner, Jaccard e Sorensen, além da construção de curvas de dispersão. Um número de 33 informantes participou voluntariamente da pesquisa (13 na comunidade Buritirana e 20 na comunidade Recanto), sendo 19 (57,6%) do gênero feminino e 14 (42,4%) do gênero masculino. Do total entrevistado, apenas seis (18,2%) são naturais da primeira comunidade; três (9,1%) da segunda comunidade e 10 (30,3%) da zona urbana do município de Amarante/Piauí. Os demais (42,4%) são oriundos de outros municípios do estado do Piauí e Maranhão morando em média a 16,7 anos nas localidades estudadas. Os quintais mostraram-se estruturalmente variados, multifuncionais e heterogêneos, nos quais não se constatou um padrão de organização e distribuição das espécies cultivadas. Foram amostradas 150 espécies de plantas, com destaque para a família botânica Fabaceae, que agrupou o maior número de espécies. A categoria de uso alimentícia foi a mais representativa. O índice de Shannon indicou alta diversidade (H’= 4,57), sendo a comunidade Buritirana mais diversa (H’= 4,45) em relação à comunidade Recanto (H’= 4,32). O índice de Jaccard mostrou alta similaridade entre as duas localidades estudadas. Não houve correlação entre área e número de espécies, entretanto, a idade do quintal com o número de espécies, se mostraram positivamente correlacionadas. As plantas aromáticas e condimentares somaram 13 espécies, incluídas em sete famílias botânicas, tendo Solanaceae e Lamiaceae como as mais representativas, constituindo-se predominantemente, em ervas (6). As espécies mais proeminentes foram Allium schoenoprasum L., Coriandrum sativum L. e Capsicum chinense Jacq. As plantas ocorrentes nos quintas das duas comunidades são equiparadas, demonstrando uma alta verossimilhança, dado este confirmado pelo índice de Sorensen (IS= 0,75). Geralmente são cultivadas em canteiros suspensos ou em utensílios. As partes das plantas hortícolas mais empregadas nos preparados caseiros são as folhas (46,1%), seguida de fruto (38,5%), casca (7,7%) e raiz (7,7%). São prontamente empregadas na culinária diária, podendo ainda ser utilizadas para fins medicinais. Obteve-se o relato de três lendas, sendo a do lobisomem a mais referenciada. Em relação aos mitos, o calendário lunar foi tido como um instrumento notadamente importante nas etapas de plantio e colheita de espécies vegetais como Coriandrum sativum L., Anacardium occidentale L., Vigna unguiculata (L.) Walp., entre outras. Superstições são utilizadas pelos moradores locais, como estratégia suplementar no manejo das plantas. Além disso, constatou-se que a população tem mantido a tradição dos rituais religiosos, apesar de ter detectado pouco envolvimento no empenho de sua realização. Conclui-se que os quintais rurais das comunidades asseguram a oferta e a disponibilidade de alimentos; que os quintais das duas comunidades são correlatos entre si e que a estruturação pode ser influenciada pela socioeconomia e uso potencial. O cultivo de especiarias é uma prática remota, notadamente marcada pela sua singularidade, tanto em produção quanto em manutenção. As hortaliças contribuem para o complemento nutricional das famílias, sendo igualmente usufruídas para acentuar o gosto e o aroma de diferentes pratos, além de atuar como fitoterápicos em virtude dos princípios ativos que as compõem. Na comunidade Buritirana há a crença em lendas, bem como saberes populares referentes a mitologias. Simpatias aprendidas com os mais velhos ainda estão sendo usadas na localidade estudada. A população tem mantido a tradição dos rituais religiosos. Contudo, os quintais estudados transpareceram-se dinâmicos, por se delinearem frente a aspectos estéticos, sociais, econômicos, simbólicos, culturais e ecológicos.