No chão da cotidianidade, entendida a partir dos pressupostos de Lukács (2018), crianças e adolescentes pobres são responsabilizados por suas condições materiais de existência e tidos como potenciais perturbadores da ordem e da paz garantida pelo Estado (LEMOS, 2022). É no contexto desse discurso alienado e alienante que o capital firma seu discurso meritocrático e seus demais recursos de gestão da pobreza (SANTOS, 2019). Dentro desta temática, atemo-nos aos adolescentes em conflito com a lei e no interior dessa totalidade, adolescentes em conflito com a Lei são, também, alvos de ações socioeducativas que visam, na aparência, ressocializá-los, reintegrá-los à sociedade. A partir disso, propomo-nos a investigar a Fundação do Bem-Estar do Menor e elencamos como pergunta de pesquisa a seguinte questão: Quais os distanciamentos e aproximações entre a proposta educativa da FUNABEM e a formação humana na perspectiva do Materialismo Histórico e Dialético? Como objetivo geral nos propomos a investigar os aspectos que aproximam e distanciam a proposta educativa da Funabem dos preceitos da formação humana. Como objetivos específicos pretendemos caracterizar a história das medidas socioeducativas no Brasil e no Piauí; analisar a legislação que regulamentava a FUNABEM; identificar as contradições na legislação que regulamentam a FUNABEM. Para alcançarmos os objetivos propostos, nos embasamos teoricamente no método materialista histórico-dialético (TONET, 2013), e propusemo-nos a investigar baseados na ontologia marxista, a partir do método dialético como proposto por Marx, compreendendo que esta é a abordagem que melhor se adequa à natureza deste trabalho. Realizou-se uma investigação de natureza documental, buscando interpretar alguns documentos que ampararam a FUNABEM, bem como suas respectivas determinações, além da Revista Brasil Jovem, responsável por veicular notícias específicas sobre a Fundação, e jornais disponíveis no Arquivo Público do Piauí das décadas de 1960, 1970 e 1980. Como resultado, concluímos que este período marcado pela Ditaduta Civil-Militar, instituída sob um discurso extremista e violento contra uma suposta ameaça comunista, desenvolveu ações social de caráter autoritário. A promessa das ações financiadas pela FUNABEM no estado do Piauí estão respaldadas na ideia de recuperação moral do “menor” e na melhoria da qualidade de vida da família, que posteriormente foi atendida pelos projetos. No entanto, os projetos desenvolvidos embasavam-se na pedagogia do trabalho, que submetia os indivíduos pobres e ditos vadios ao trabalho manual, visando adequá-los ao sistema de produção capitalista. Crianças e adolescentes, após cumprirem sua disciplina em instituições industriais ou em trabalhos agrícolas, saíam ainda analfabetos, sem as qualificações necessárias para constituírem o grupo de trabalhadores ideais que a indústria capitalista buscava, sendo mais uma vez marginalizadas e, agora, conformados com sua situação. Portanto, a Educação Social foi utilizada como instrumentos do Estado para garantir a manutenção da pobreza em níveis toleráveis, apresentando-se como uma de suas ações conciliatórias e, ao mesmo tempo, repressoras, a fim de que muitos permaneçam em situação de escassez das condições materiais de subsistência, constituindo a massa explorada que serve de base para o enriquecimento desmedido de uma pequena parcela da sociedade.