Neste trabalho, analisei as práticas alimentares de grupos sertanejos – garimpeiros, meeiros, escravos e comerciantes – residentes na vila de Santa Isabel do Paraguassú (atual município de Mucugê), localizada na Chapada Diamantina, Bahia, no último quartel do século XIX e primeiro do século XX. O trabalho foi realizado a partir da análise de fragmentos de louças recuperados em sítios arqueológicos situados no centro da cidade, e de seu confronto com documentos escritos, literários, imagéticos e orais. O emprego deste procedimento visava atingir esses grupos invisibilizados, aproveitando as possibilidades oriundas dos estudos de Arqueologia da Alimentação e, assim, tornar possível o aprofundamento de questões que envolvem seu cotidiano, através do exame das relações entre consciência social, experiência vivida e condições materiais que pudessem indicar mudanças ou permanências nas tradições alimentares locais. Com isso pretendia identificar representações ideológicas incorporadas pelos agentes sociais fixados no espaço urbano de Mucugê, no que tange às inter-relações entre práticas de produção de alimentos, aquisição, consumo e descarte de utensílios; traçar um perfil do sistema social alimentar de Mucugê e perceber os padrões de consumo ligados aos utensílios domésticos oitocentistas, especialmente as louças, ao caracterizar aspectos como origem das peças, datação, tipos e preços. Ao final da análise verificou-se que os grupos-alvo do estudo consumiam de forma preferencial as louças mais baratas, embora a análise da amostra tenha revelado que adquiriam louças caras também, mas sem que fizessem parte de conjuntos (baixelas, aparelhos), como costumam adquirir os grupos elitizados, para consumo de alimentos em ocasiões específicas, seguindo regras de etiqueta. Portanto os grupos estudados apresentavam maior informalidade nas refeições cotidianas, não fazendo uso de regras rígidas. Até os dias atuais, a base alimentar dos grupos subalternos mucugeenses é pautada nos mesmos alimentos que compunham os “Sacos”, fornecidos pelos interessados na exploração dos garimpos aos trabalhadores do ramo da mineração, no século XIX.