A identificação de espécies-chave culturais (ECC) é uma ferramenta promissora para a conservação biocultural, mas sua aplicação é frequentemente desafiada por lacunas metodológicas, como a dificuldade em diferenciá-las de espécies de importância cultural genérica e a prioridade dada a abordagens éticas. Este estudo objetivou preencher essas lacunas, caracterizando as ECC em uma comunidade tradicional de matriz africana — o Terreiro Ylé Asé Babá L'Okê, no Piauí, Brasil — por meio de uma abordagem mista e predominantemente êmica. A pesquisa contou com a participação de 63 membros da comunidade, dos quais coletaram-se dados etnobotânicos através de listas livres. A análise resultou na identificação de 146 espécies botânicas, distribuídas em 65 famílias. A análise do Índice de Saliência de Smith (IS) destacou Gossypium barbadense L e Schinus terebinthifolia Raddi como as plantas mais salientes. No entanto, na comparação entre os grupos de plantas com potencial para ECC e aquelas de uso secundário, o teste de Wilcoxon-Mann-Whitney indicou que não houve diferença estatisticamente significativa entre as médias de saliência, um resultado corroborado por uma alta sobreposição de 74,3% das espécies. Estes achados demonstram que a diferenciação das ECC não pode se basear unicamente em métricas de saliência, reforçando o argumento de que o conceito é mais complexo do que uma simples distinção estatística. A análise qualitativa revelou que as espécies mais salientes são fundamentais para usos litúrgicos e medicinais, com indicações específicas como "limpeza energética" e "culto às entidades", evidenciando seu profundo papel na identidade cultural. A pesquisa, portanto, contribui para o debate sobre a operacionalização das ECC, ao sugerir a necessidade de uma abordagem metodológica que combine a saliência quantitativa com uma validação êmica e a análise aprofundada dos usos para uma identificação mais precisa dessas espécies.