Esta dissertação investiga como os discursos dos moradores da Comunidade Quilombola Manga Iús, situada em Batalha (PI), constroem sentidos de pertencimento étnico e territorial em um contexto de conflito fundiário, invisibilidade institucional e disputa simbólica por reconhecimento. A problemática central surge a partir de um laudo antropológico que nega vínculos da comunidade com a ancestralidade quilombola, questionando como os discursos de seus integrantes constroem e legitimam uma identidade diante da ausência de documentação formal e de tensionamentos jurídicos relacionados à titulação do território. Adota-se uma abordagem qualitativa de base indutiva, articulando História Oral e Análise Crítica do Discurso, com ênfase na prática social do discurso conforme Norman Fairclough. A pesquisa utilizou entrevistas semiestruturadas (oito), observação participante, análise documental e elaboração de mapas afetivos. A análise sistemática das entrevistas resultou na identificação de cinco eixos temáticos: História Pessoal e Familiar no Local; Reconhecimento como Remanescentes Quilombolas; Memórias de Antepassados e suas Vidas; Antigas Formas de Vida e Trabalho; e Conexão Territorial e Unidade Comunitária. O referencial teórico mobiliza os conceitos de memória coletiva (Halbwachs), ressemantização do quilombo (Arruti), Modo de ser quilombola (Antônio Bispo), territorialidade (Haesbaert) e identidade étnica (D’Adesky), permitindo compreender a identidade quilombola como processo relacional, contínuo e situado. Os discursos evidenciam que o pertencimento não se funda exclusivamente em genealogias, mas em práticas sociais, vínculos afetivos e narrativas que articulam memória, espiritualidade, luta por direitos e relação simbólica com a terra. Elementos cotidianos como o “Pé de Manga” e a “Casa da Semente” tornam-se marcos identitários, performando a territorialidade como vivência coletiva. A análise crítica revela a produção de contra-narrativas que confrontam a racionalidade tecnocrática dos laudos oficiais, reivindicando reconhecimento jurídico com base em saberes orais, práticas de resistência e vínculos existenciais com o território. A pesquisa também identifica o descompasso entre o princípio da autoidentificação, previsto no Decreto n.º 4.887/2003, e os entraves institucionais à efetivação dos direitos territoriais. Apesar das limitações no acesso a vozes externas ao grupo, a triangulação metodológica assegura a validade interpretativa. Conclui-se que os discursos da Manga Iús operam como formas de resistência e agência, mobilizando categorias políticas e simbólicas na disputa por reconhecimento e justiça territorial.